quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Comendo com fiéis hindus


Claudinha (Itália) e eu almoçando com os hindus


Estava em Nasik, localizada a 167 km de Mumbai, com mais 6 amigos. Juntos celebrávamos o aniversário de uma das minhas companheiras de república, a russa Dinara. Mesmo a cidade sendo famosa por suas vinículas, o que mais me surpreendeu não foram os vinhos que já esperávamos degustar, mas sim um pequeno templo hindu que ficava próximo à nossa guest house e que não fazíamos ideia de que encontraríamos pelo caminho. Decidimos entrar apenas por curiosidade.

Antes de entrarmos, no entanto, fomos informados que deveríamos tirar o sapato. Tiramos e deixamos ali mesmo na calçada, na confiança de que quando voltássemos eles estariam no mesmo lugar. Subimos os degraus e entramos.

Mal entramos e eu já fiquei hipnotizada. As cores e o cheiro das jasmins, a fumaça do incenso, o olhar sereno de Lord Ganesh (o deus elefante), a fresta de luz enfatizando o altar. As paredes eram de pedra e havia algumas frases em hindi esculpidas. Eu pisava naquele chão frio e sagrado. Paz, calma e silêncio dominavam meu estado de espírito. Um silêncio tão grande que nem os fiéis fervorosos rezando em voz baixa, os poucos turistas presentes com suas câmeras e algumas pombas sobrevoando o local conseguiam quebrar.

Fiquei absorvendo e sentindo todas aquelas sensações até que uma menininha, próxima à porta lateral esquerda, me chamou atenção. Ela nos olhava curiosa, apenas com a cebeça pra dentro do templo e quando percebeu que eu tinha notado sua presença sorriu timidamente e foi embora. Eu a segui.

Ela estava na companhia de cerca de 15 crianças. Todas estavam descalças, com um sorriso estampado no rosto, os olhos ingênuos brilhavam e elas arriscavam algumas palavras em inglês como "what's your name?" ou um siples "hello". Peguei minha câmera e perguntei se poderia fotografá-las. Elas consentiram. Ficamos ali entre flashes e gargalhadas. Neste momento, meus amigos já haviam se juntado a nós.

Até que o pai de uma das garotinhas aproximou-se e começou a falar uma língua que não compreendíamos. Automaticamente pensei que ele estava incomodado pelo fato de estarmos fotografando as crianças. Mas logo percebi que suas mãos nos convidava a segui-lo. Seguimos.

Ao lado do templo havia uma lona armada e muitas famílias comiam no chão. Estavam todos sentados na terra, não usavam talheres e os pratos eram feitos de folhas. Eles queriam que comêssemos com eles.

Culturalmente é muita falta de educação recusar comida, convite ou qualquer coisa que um indiano te ofereça. Mesmo assim, recusamos. Com jeitinho e um sorriso, mas recusamos. Primeiro, porque não estávamos com fome. Segundo, porque na Índia é complicado comer em "qualquer" lugar e ali não parecia haver uma preocupação com higiene. Mas quem disse que eles aceitaram o nosso "não"?

Começaram a colocar os pratos/folhas no chão, a forçar a gente sentar e cada fiel hindu vinha nos servir um tipo de comida: arroz, caldo de grão de bico com legumes e alguns "puris", espécie de pastelzinho indiano. Comovidos pela simplicidade e não querendo parecer rudes diante de tanta gentileza, aceitamos.

E ali, sentados na terra, começamos a comer ao lado dos fiéis. Homens, mulheres, idosos e crianças nos serviam. Pediam para tirar fotos na nossa companhia e perguntavam insistentemente se precisávamos de mais alguma coisa. Comemos sem garfo, faca ou colher, apenas com nossas mãos, sentados na terra. A falta de higiene que antes nos preocupava, já não era mais um problema diante de tanta hospitalidade.

Ao final da refeição, uma senhora nos perguntou se poderia pintar nossas testas com a tika (ou tilaka), o pó para o terceiro olho. Aceitamos. Silenciosamente, enquanto ela me marcava, desejei que aquele olho me fizesse enxergar a vida com mais sabedoria...

Nos despedimos dos acolhedores anfitriões. Olhamos pela última vez para o templo e fomos para a rua. Os sapatos ainda estavam lá, no mesmo lugar que havíamos deixado. Mas nossas mentes e nossos corações já não eram mais os mesmos...


Recebendo meu terceiro olho

3 comentários:

  1. ai minha amiga fiquei toda arrepiada e confesso que as lagrimas caíram, adoro te ler muito má muito como vc fala, é como se eu vivesse o que viveu. Beijos mil e saudades muitas!!!!

    ResponderExcluir
  2. Bimbers, que relato lindo e comovente. Mas posso falar? Quado li "e algumas pombas sobrevoando o local " não contive o riso!!

    ResponderExcluir