O despertador tocou, eu o desliguei, fingi que não o havia escutado e fechei os olhos novamente. Tarde demais! Mesmo cansada, já não conseguia mais voltar a dormir. Mesmo meu celular estampando aquele horário tão cedo: 07:45 da manhã. Minha cama me abraçava confortavelmente, meu corpo queria ceder, mas minha consciência não permitia: eu precisava ir ao yoga.
O exercício começava antes mesmo da aula iniciar. Eu deveria aprender a controlar a minha mente, não ser vencida pelo meu próprio corpo ou pelos meus sentimentos. Foi o que minha professora havia recomendado no primeiro dia. Me esforçando muito para vencer o cansaço e a preguiça, finalmente levantei. Minha casa estava em um raro momento de silêncio. Todos ainda dormiam. Coloquei minha roupa de ginástica, peguei minha mochila (já a havia deixado pronta no dia anterior) e fui para a estação de trem encontrar a Fernanda, uma outra trainee brasileira que também queria aprender a meditar.
Mesmo cedo, a estação de Andheri já estava um caos. Vendedores ambulantes, cachorros de rua, mulheres de sari, alguns turistas e vários trabalhadores se espremiam pelos corredores para tentar pegar seus respectivos trens. Eu estava sendo empurrada pela multidão, atenta a qualquer tentativa de roubo da minha mochila e tentando evitar que meu corpo fosse tocado pelos “engraçadinhos”. Minha vontade era gritar, empurrar todo mundo e sair correndo de volta para a minha cama...
Mas eu não conseguia tirar da minha cabeça o segundo ensinamento pregado pela minha professora: pratique sua paciência e seja gentil com as pessoas sempre. Eu tentava. E como tentava. Mas era praticamente impossível ser paciente com o fim do mundo acontecendo logo de manhã. Eu contava minha respiração para me acalmar, mas o ar poluído de Mumbai invadia minhas narinas e eu me perguntava, plagiando minha mãe, “por que eu fico inventando moda?” rs. Mesmo assim, não desisti! Eu estava determinada a aproveitar minha experiência na Índia ao máximo e isso incluía praticar yoga.
O trem, milagrosamente, não estava tão lotado. Me dirigi para o vagão das mulheres. Uma das vantagens de acordar cedo logo foi destacada: era possível, até mesmo, sentar. Felizmente, eram apenas duas estações no trem “lento”. Há dois tipos de trem em Mumbai o “fast”(rápido) e o “slow”(lento). A diferença? Não, não é a velocidade. O lento para em todas as estações, enquanto o rápido apenas nas principais.
Depois de 15 minutos de viagem eu já estava na estação Santa Cruz. Dali eu precisaria de somente mais 5 minutos de caminhada para alcançar meu destino final: o Instituto de Yoga Santa Cruz. Me considerava com sorte de morar tão perto de umas das melhores escolas de yoga do mundo. Isso e os benefícios que eu já notava após o início das aulas, me motivavam a não desistir.
Era impressionante como um lugar poderia ser tão silencioso mesmo estando no centro de Mumbai. Placas de “fale somente se realmente necessário” ilustravam as paredes. O ambiente exalava tanta paz que, neste momento, toda a minha raiva já havia desaparecido. Atravessei o jardim do recinto. Minha sala era no segundo andar. Antes de entrar no prédio, no entanto, eu deveria tirar os sapatos. Subi as escadas descalça e cheguei até a sala aonde cerca de vinte e cinco mulheres meditavam na posição do lótus (Padmasana). Esperei do lado de fora até que desse meu horário.
As 09:30 elas se levantaram e foram embora com uma expressão serena no rosto. A nova turma de mulheres que aguardava do lado de fora agora preenchia a sala. Eu fazia parte deste novo grupo. Minha professora aguardava no canto da sala. Minha amiga e eu éramos suas únicas alunas naquele horário. Fazíamos aulas especiais, ou seja, ministradas em inglês.
Durante os sessenta minutos de aula eu relaxava, meditava (ou pelo menos tentava) e sentia partes do corpo que eu nem sabia que poderiam ser exercitadas. Me acalmava e prometia baixinho que tentaria ser um ser humano melhor...
Ao fim desta uma hora, coloquei meus sapatos e fui para a estação. Me sentia renovada! Mal cheguei na plataforma que meu trem sairia e já fui abordada por uma garotinha. Ela deveria ter no máximo 4 anos. Usava um vestido amarelo rasgado, estava descalça e muito suja. Seus cabelos eram curtos e embaraçados, os olhos estavam remelentos e o nariz escorria. Ela pedia dinheiro. Eu, acostumada aos milhares de pedintes, instantaneamente, disse “não”. Ela insistia me mostrando a mãozinho e eu também insistia no meu posicionamento. Não! Foi quando ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e falou uma das poucas palavras em hindu que eu reconheço: khana. O significado? Comida. Meu coração partiu. Ela me olhava fixamente, me desafiando e despertando compaixão.
Não aguentei. Perguntei para ter certeza “Khana?” e ela consentiu. Sabia que não resolveria todo o problema da fome mundial, mas não consegui ser indiferente. Fomos a um quiosque próximo que vendia comida. Ela me deu a mão e mesmo caminhando juntas havia um abismo de diferenças entre nós. Falei para o vendedor avisá-la que ela poderia escolher qualquer coisa que quisesse. Ele traduziu em hindu para ela e a pequena me olhou espantada. Com ansiedade, analisou todas as opções e me perguntou se poderia pegar dois: uma bolacha de maizena que a irmã mais velha gostava e balas para ela. Saímos do quiosque com os doces. Ela me pediu ajuda para abrir os dois pacotes. Devorou a metade de cada um e guardou o restante para a irmãzinha.
Meu trem chegou, entrei no vagão e acenava para minha mais nova amiguinha. Foi quando notei que mais umas 15 crianças corriam em minha direção. O trem começou a andar e me afastava da estação de Santa Cruz, mas não deu para não deixar de ouvir que as crianças gritavam para mim (e para quem quisesse escutar) “khana, khana, khana”...
Adorei Bia!!! Que coragem de vcs duas hein? De inicio fiquei brabinha q vcs nao me convidaram pra fazer aula tambem :( Mas no final fiquei pensando e nao sei se teria essa garra toda! Parabens e espero que te ajude! Beijao
ResponderExcluirCada dia mais orgulhosa de vc!!!!
ResponderExcluirSua maneira de contar os fatos é impressionante!!!! Nos transporta para lá,
Bjos