quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Coisas que a gente não espera quando tem 15 anos

No dia 25 de agosto celebrei meu 25º aniversário. E confesso que fiquei assustada. Não, não me acho velha, mas acho sim que o tempo está passando mais rápido. Há 10 anos eu completava meus 15 anos. Parece que foi ontem! Papo de velha, confesso, mas parece mesmo que foi. Ah, eu tinha tantos sonhos...

Com 15 anos eu já queria viajar para fora do país. Não tinha medo ou estava insegura, mas tinha pais que se questionavam se eu estava mesmo preparada para esta experiência e principalmente, se um investimento tão alto valeria a pena. Não me deixaram ir. E eu chorei...

Chorei porque sabia o que eu queria, por não confiarem em mim e por depender da permissão e do dinheiro dos outros para realizar meu sonho. Foquei no vestibular, passei na Universidade Estadual de Maringá, mudei de cidade, mas ainda tinha esta vontade reprimida.

Depois de 2 anos morando sem meus pais, finalmente consegui convencê-los de que estava pronta para viver esta experiência. Fui para os EUA, para a cidade de Norfolk (Virgínia), participar de um programa chamado Work and Travel. Basicamente, fui contratada para trabalhar no caixa de um restaurante americano e nas horas livres poderia viajar. A vantagem é que eu estaria inserida na cultura do lugar, não teria apenas o ponto de vista de um turista, aperfeiçoaria meu inglês e de bônus seria paga em dólar.

Ah, como na teoria tudo é lindo! Na prática eu fui morar em um lugar que fazia muito frio, em um bairro negro em uma cidade na qual o racismo existe. Morei com muita gente fresca e mimada e com algumas pessoas incríveis que tenho contato até hoje.  Não sabia o que era dime (moeda de 10 centavos) ou quarter (moeda de 25 centavos) e mesmo assim me colocaram pra tomar conta do caixa. Não sabia que seria tão difícil passar um Natal sem minha família ou que me emocionaria tanto quando assistisse a um musical da Broadway. Não sabia que conseguiria trabalhar 14 horas por dia em pé e nem que com este dinheiro conseguiria pagar minhas próprias viagens, minhas contas fixas nos EUA, fazer compras e reembolsar meu pai todo o valor que ele havia investido. É impossível definir o quão gratificante foi, mas felizmente ou não, viajar vicia e não me contentei só com esta vez.

Voltei ao Brasil, consegui meu primeiro emprego, justamente, em uma agência de intercâmbio e todo mês depositava na poupança 50% do meu salário, já pensando no próximo destino. Passei 12 meses da minha vida tentando convencer meus clientes do quão bom era viajar. Proferi tanto o mesmo discurso que me convenci de que era maravilhoso mesmo. Me dei conta de que precisava viajar novamente, já não me sentia feliz sentada atrás de um computador conhecendo o mundo através do que os outros diziam. Eu queria ir para a Europa e confirmar com minhas próprias experiências se era tudo aquilo mesmo que falavam. Peguei minhas economias e desta vez, sem a ajuda financeira dos meus pais, paguei minha primeira viagem. Escolhi o programa de intercâmbio que era compatível ao valor que eu tinha economizado: fui ser au pair na Holanda.

Pra quem não sabe, no programa de au pair você mora com uma família, não paga alimentação ou moradia, ganha um salário mensal e ainda recebe uma bolsa de estudos para fazer um curso de idiomas. Em troca, você toma conta dos filhos da família por uma carga horária pré-determinada*. Como gosto de crianças, achei super conveniente.

Morei durante um ano em uma cidadezinha no sul da Holanda. Foi lá que me encantei por duas crianças holandesas que me fizeram perceber que eu realmente tinha virado adulta, mas que também me ajudaram a resgatar meu lado infantil. Também foi durante este período em que eu viajei 18 países europeus. E eu finalmente pude comprovar que Paris é mesmo apaixonante, que a comida italiana é realmente uma delícia, que a chuva constante de Londres pode danificar sua máquina fotográfica, que o reveillon em Barcelona com as melhores amigas pode ser inesquecível, que as ilhas gregas são mágicas, que o banho turco é constrangedor, que os chocolates belgas são os melhores do mundo, que Budapeste tem as melhores baladas ou que Praga  tem as melhores cervejas.

Voltei ao Brasil realizada! Arrumei um emprego em São Paulo, novamente em uma agência de Intercâmbio e por lá fiquei 2 anos. Fui ao Canadá representando esta mesma empresa, estava cursando jornalismo (o curso que eu sempre quis fazer), tinha acabado de ganhar uma viagem a Nova York (mérito de uma campanha de venda que a empresa propôs e que eu me dediquei durante 6 meses para conseguir) e ganhando um salário suficiente para pagar sozinha minhas contas, minha faculdade, meus luxos rs e algumas viagens pela América do Sul.

Não tinha motivos para reclamar. Estava satisfeita com minha rotina. Até que um amigo que estava morando na Índia, me perguntou se eu também não queria viver durante 1 ano em Mumbai. Eles me contratariam como trainee em uma Multinacional para trabalhar na área de marketing/comunicação e desenvolvimento de negócios.

Eu poderia ter ignorado aquela proposta e continuado na minha zona de conforto. Eu não tinha razões para mudar, mas algo dentro de mim dizia que eu deveria tentar. Fiquei uma semana sem conseguir dormir. Sabia que aquela experiência, agora na Ásia, me ajudaria a entender o mundo através de uma nova perspectiva, mas fora isso, não sabia exatamente o que ganharia. Em compensação, eu sabia perfeitamente tudo o que eu "perderia" (perderia, inclusive, a viagem à NY)...

...Mais de um ano se passou desde que passei naquela entrevista de emprego e decidi me mudar para a Índia. A ideia era ficar apenas 12 meses, duração do contrato de trainee, voltar ao Brasil para terminar meu curso e arrumar outro emprego. Porém, durante este tempo aqui o que mais aprendi foi justamente que não podemos controlar o futuro. A gente pode sim planejar, estabelecer metas, mas quando já temos nosso futuro todo idealizado, quando menos esperamos, lá vem aquele monstrinho chamado imprevisto e muda nosso rumo, quebrando ou superando nossas expectativas. Afinal, cabe a cada um de nós enfrenta-lo como uma oportunidade ou como um obstáculo.

Nestes últimos meses na Índia, aprendi a valorizar o presente e a lidar melhor com fatos inesperados. Quando me mudei para a Índia não imaginei que fosse morar com tanta gente interessante, que me irritaria tanto com a desorganização, que seria contratada pra fazer trabalhos extras só porque eu sou estrangeira e nem que aprenderia a gostar de academia. Não imaginava que um dia eu iria à Caxemira, que pularia de bungee jump no Nepal, que comeria insetos na Tailândia ou que um elefante me daria banho. Não esperava que meu irmão viesse até aqui só para me visitar e que ele me acharia tão louca por gostar de um país tão sujo. Não pensei que eu fosse me adaptar tão fácil, que eu gostaria tanto da comida, muito menos que minha empresa indiana me pediria pra renovar o contrato e ficar um pouco mais.

Não, não estava no script que eu aceitaria ficar mais alguns meses, que teria que ir ao Brasil pra renovar meu visto e como bônus do destino poderia matar a saudade da minha família e amigos passando meu aniversário ao lado deles. Para completar, devido a uma conexão demorada, não esperava que fosse dar tempo de sair do aeroporto de Johanesburgo, na África do Sul, visitar o Lion Park, ver os bebês leões,  alimentar uma girafa ou conhecer a casa do Nelson Mandela. Tudo isso em menos de 7 horas. Enquanto os outros passageiros, que tiveram a mesma "oportunidade", ficaram no aeroporto usando a internet aguardando o próximo voo.

E quando você acha que não falta acontecer mais nada de surpreendente, eu que não acreditava em conto de fadas, nunca imaginei que eu fosse me apaixonar por um indiano e que estaria disposta a recalcular toda minha vida, só porque inesperadamente o amor cruzou meu caminho...

É, com 15 anos, eu realmente não esperava que tudo isso fosse acontecer. Mas acho que com 25, mais do que ainda conseguir sonhar, a gente ganha autonomia para transformar os sonhos em metas e aprende a colocá-las em prática. Sim, eu ainda insisto teimosamente em continuar planejando os meus próximos passos, mas na certeza de que a qualquer momento tudo pode mudar, porque este monstrinho do imprevisto não cansa de aparecer na minha vida. Ainda bem!


* As horas trabalhadas e os benefícios oferecidos no programa Au Pair dependem de cada país.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Impressões sobre a Índia

Retorno a escrever, após quase nove meses desde o meu primeiro post. A Índia continua a mesma. Mas a maneira que eu a enxergo...Ah, meus amigos, isso mudou!

Depois que você já está mais acostumada ao seu novo estilo de vida e deixa de comparar o país que você morava com o que você está, tudo melhora. O que mais me encanta por  aqui é que eu ainda consigo perder meu fôlego diariamente. Sabe quando você já tem a sua rotina estabelecida, mas mesmo assim consegue sempre se surpreender? Então. Você vai viver e ver muita coisa diferente...

Você vai ver muita gente comendo com as mãos. E eu não estou falando de pizza, salgado ou sanduíche. Você vai ver gente comendo arroz, feijão e sopa com a mão. Talvez você faça igual. Talvez você fique com nojo. Eu, aliás, sentia muito nojo. Hoje prefito interpretar este ato como uma forma livre de se comer. Você pode fazer o que quiser que ninguém vai reparar ou se importar. Lembro da minha mãe batendo na minha mãozinha durante minha infância, toda vez que eu tocava a comida: "Não pode, isso é feio". Pois aqui não é. Indianos, aliás, acreditam que a digestão dos alimentos acontece melhor quando você os ingere com suas mãos.

Você sentirá falta de sua privacidade. Isso é uma das coisas que mais me irrita em Mumbai. Você NUNCA está sozinha! Sempre tem muita gente nas ruas, nas estações de trem, no cinema, shopping. E quando você é trainee, até mesmo no seu quarto, que já é compartilhado, sempre vai ter muita gente. O lado bom é que é mais difícil sentir saudades dos amigos e da família, porque sempre vai ter alguém te convidando pra fazer alguma coisa. Ainda assim, confesso que  muitas vezes sinto falta de ter meu espaço.

Você vai ver que o trânsito é uma loucura. Já fui atropelada duas vezes rs. Na primeira, uma moto passou por cima do meu pé e na outra uma bicicleta, vindo na contra mão, me derrubou. Conclusão: não importa o quanto você olhar antes de atravessar a rua, sempre vai surgir alguém do nada e te surpreender rs.

Perceberá que deve viajar sempre que puder! Além de te ajudar a quebrar a rotina, te ajuda a não julgar um país inteiro a partir de uma única cidade. Aos poucos, escreverei mais detalhadamente sobre as minhas experiências nos quatro cantos daqui. Mas seria como se um gringo fosse somente para São Paulo ou, quem sabe, apenas para o Acre e achasse que o Brasil inteiro fosse parecido com aquela determinada região.

Faça amizade com indianos. Sim, é legal conhecer gente do mundo todo. Mas tente se aproximar também de pessoas locais. Além delas te ajudarem a entender mais a cultura e darem dicas sobre o lugar, indianos são incríveis! Acho lindo o quão prestativos eles são, o quanto eles fazem questão de te tratar bem quando se importam com você e apesar de tímidos no começo, o quão receptivos eles são para te fazer gostar do país deles. Meus amigos indianos me ensinam a cada dia, através de seus atos, como ser uma amiga melhor. E acima de tudo, a valorizar quem realmente se importa com você.

No final, você vai ver que, na realidade, não existe um lugar "melhor"ou "pior". As coisas são simplesmente diferentes. E isso é incrível! Ok, pode ser difícil para se adaptar, mas tenha a certeza que te fará crescer. Afinal de contas, você saiu do Brasil para ter uma experiência nova, certo? Então, aproveite!

sexta-feira, 23 de março de 2012

Coisas que você perde e ganha vivendo no exterior

Faz exatamente 6 meses que eu estou na Índia. É engraçado pensar como em tão pouco tempo é possível viver tantas experiências novas, ter tantos sentimentos intensos e aprender tanto com o diferente. Nestes últimos meses aprendi, principalmente, a me desapegar de coisas, pessoas, manias e opiniões formadas. Perdi e ganhei na mesma intensidade, mas em ambos os casos cresci. Contei com a minha intuição e por algum motivo, que muitas vezes nem eu consigo explicar com precisão, me lembro apenas de que decidi abandonar minha zona de conforto e encarar o desconhecido. Mesmo que para muitos, isto não fizesse o menor sentido.


Resolvi ( mais uma vez) ficar longe da minha família e percebi que se desapegar da presença deles, não é sinônimo de que eu preciso abandonar os meus valores. Mas significa sim abrir mão de estar junto no Natal, no Ano Novo Novo, na formatura do seu irmão mais novo ou no aniversário dos seus pais. É pedir demissão do seu trabalho e abrir mão de uma viagem à Nova York paga pela sua própria empresa, fruto do reconhecimento de todo esforço que você teve. É deixar seu apartamento que você compartilhava com suas melhores amigas, abandonar seu quarto individual e sua confortável cama king size. É trancar sua faculdade e “adiar” por 1 ano se graduar na profissão que você sempre sonhou em exercer.


É deixar de comer carne vermelha todo dia e sushi toda semana, mesmo que eles sejam seus pratos favoritos. É não poder voltar pra sua cidade natal aos fins de semana e não estar perto de quem você ama e de quem te ama. Mas também é saber reconhecer que você sente saudade e que agora você os valoriza ainda mais. É ficar com medo de que algo ruim aconteça enquanto você esteja longe, de comemorar vitórias a distância, de chorar ao telefone quando tudo parece perdido e ser consolada por aqueles que sempre estiveram ao seu lado e que agora estão do outro lado do mundo.


Ao mesmo tempo é ter orgulho de falar que você é trainee de uma multinacional no exterior. E mais do que se desenvolver profissionalmente, é sentir que seu caráter, sua maturidade e sua flexibilidade também estão se desenvolvendo. É provar todo dia uma comida nova, sentir falta dos pratos que sua mãe cozinhava, mas aprender que o diferente também pode ser muito bom. É ouvir todo dia uma língua que você ainda não entende, mas que você já sabe se virar. É conseguir perder 9 kg em apenas um semestre, porque você finalmente aprendeu a levar a sério exercícios físicos. É conhecer amigos de todas as partes do globo, aprender a respeitá-los, amá-los e ajudá-los, e acima de tudo, ser madura o suficiente pra entender que uma hora a gente tem que dizer “adeus”. Mas eu ainda prefiro acreditar que é apenas um “até logo”.


É poder realizar seus sonhos de infância. É andar de elefante, mergulhar nas águas quentes da Thailândia, abraçar um tigre, aprender yoga, ver de pertinho um encantador de cobras. É visitar o Taj Mahal! É você fazer coisas (e ser paga por isso) que também nunca havia sonhado. De repente você vira ringue girl, dubladora de filme, recepcionista de Bollywood ou até mesmo personagem da Disney em uma festa infantil. É trabalhar em um casamento luxuoso no fim de semana e ser parada pela criança com fome na estação de trem. É aprender que o ser humano é tão diferente e tão igual, tão maravilhoso e tão horrível. É sentir que você pode e deve tentar mudar o que não te deixa dormir em paz. É aprender a ter compaixão pelo outro, pelo mundo e por você mesmo. E perceber que mais do que conhecer lugares diferentes, viajar é se conhecer melhor, se amar e (re)aprender como é se apaixonar por outra pessoa...


É acima de tudo ter coragem de seguir seu coração e seus instintos. Como Steve Jobs acreditava “Você não consegue ligar os pontos olhando pra frente; você só consegue ligá-los olhando pra trás. Então você tem que confiar que os pontos se ligarão algum dia no futuro. Você tem que confiar em algo – seu instinto, destino, vida, karma, o que for. Esta abordagem nunca me desapontou, e fez toda diferença na minha vida.” E é justamente isto que me motiva. De alguma forma, eu também sei que essa experiência vai fazer toda a diferença na minha vida. Ah, vai! Porque já começou a fazer e eu ainda tenho mais 6 meses aqui...

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Músicas Indianas

Há algumas semanas fiz um post sobre a música "Chammak Challo" e várias pessoas me procuraram curiosas me perguntando mais sobre as músicas indianas. Afinal, o que os indianos ouvem?

Como já escrevi anteriormente Bollywood influencia (e muito) no gosto musical e no comportamento da população de Mumbai. Nas casas noturnas não faltam os grandes hits bollywoodianos. Mas as músicas americanas, assim como no Brasil, são as que mais predominam.

Abaixo seguem os clipes das músicas mais tocadas nas rádios e baladas daqui. Engraçado notar que os "dançarinos" são, na grande maioria das vezes, estrangeiros. Para os produtores é uma mão de obra barata, para os gringos que participam é uma super "experiência de vida". Afinal não é sempre que você tem a chance de participar de um filme, não é mesmo? E sim, confesso que ainda quero ter minha aparição em Bollywood rs.

Clique no nome das músicas para conferir:


"Kolaveri Di" é minha favorita (e que não veio de Bollywood rs).


"Teri Meri" do filme "Bodyguard".



"Criminal"
do filme "Bodyguard", assim como Chammak Challo, do filme "Ra One".



"Dildara"
, também do filme "Ra One", é a versão indiana da música "Stand by me".



"Subha Hone Na De" do filme "Bodyguard": do filme "Desi boyz".



"Sheila Ki Jawaani" do filme "Tees Maar Khan" (esta música é considerada super sensual).

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Fazendo Yoga na Índia

O despertador tocou, eu o desliguei, fingi que não o havia escutado e fechei os olhos novamente. Tarde demais! Mesmo cansada, já não conseguia mais voltar a dormir. Mesmo meu celular estampando aquele horário tão cedo: 07:45 da manhã. Minha cama me abraçava confortavelmente, meu corpo queria ceder, mas minha consciência não permitia: eu precisava ir ao yoga.

O exercício começava antes mesmo da aula iniciar. Eu deveria aprender a controlar a minha mente, não ser vencida pelo meu próprio corpo ou pelos meus sentimentos. Foi o que minha professora havia recomendado no primeiro dia. Me esforçando muito para vencer o cansaço e a preguiça, finalmente levantei. Minha casa estava em um raro momento de silêncio. Todos ainda dormiam. Coloquei minha roupa de ginástica, peguei minha mochila (já a havia deixado pronta no dia anterior) e fui para a estação de trem encontrar a Fernanda, uma outra trainee brasileira que também queria aprender a meditar.

Mesmo cedo, a estação de Andheri já estava um caos. Vendedores ambulantes, cachorros de rua, mulheres de sari, alguns turistas e vários trabalhadores se espremiam pelos corredores para tentar pegar seus respectivos trens. Eu estava sendo empurrada pela multidão, atenta a qualquer tentativa de roubo da minha mochila e tentando evitar que meu corpo fosse tocado pelos “engraçadinhos”. Minha vontade era gritar, empurrar todo mundo e sair correndo de volta para a minha cama...

Mas eu não conseguia tirar da minha cabeça o segundo ensinamento pregado pela minha professora: pratique sua paciência e seja gentil com as pessoas sempre. Eu tentava. E como tentava. Mas era praticamente impossível ser paciente com o fim do mundo acontecendo logo de manhã. Eu contava minha respiração para me acalmar, mas o ar poluído de Mumbai invadia minhas narinas e eu me perguntava, plagiando minha mãe, “por que eu fico inventando moda?” rs. Mesmo assim, não desisti! Eu estava determinada a aproveitar minha experiência na Índia ao máximo e isso incluía praticar yoga.

O trem, milagrosamente, não estava tão lotado. Me dirigi para o vagão das mulheres. Uma das vantagens de acordar cedo logo foi destacada: era possível, até mesmo, sentar. Felizmente, eram apenas duas estações no trem “lento”. Há dois tipos de trem em Mumbai o “fast”(rápido) e o “slow”(lento). A diferença? Não, não é a velocidade. O lento para em todas as estações, enquanto o rápido apenas nas principais.

Depois de 15 minutos de viagem eu já estava na estação Santa Cruz. Dali eu precisaria de somente mais 5 minutos de caminhada para alcançar meu destino final: o Instituto de Yoga Santa Cruz. Me considerava com sorte de morar tão perto de umas das melhores escolas de yoga do mundo. Isso e os benefícios que eu já notava após o início das aulas, me motivavam a não desistir.

Era impressionante como um lugar poderia ser tão silencioso mesmo estando no centro de Mumbai. Placas de “fale somente se realmente necessário” ilustravam as paredes. O ambiente exalava tanta paz que, neste momento, toda a minha raiva já havia desaparecido. Atravessei o jardim do recinto. Minha sala era no segundo andar. Antes de entrar no prédio, no entanto, eu deveria tirar os sapatos. Subi as escadas descalça e cheguei até a sala aonde cerca de vinte e cinco mulheres meditavam na posição do lótus (Padmasana). Esperei do lado de fora até que desse meu horário.

As 09:30 elas se levantaram e foram embora com uma expressão serena no rosto. A nova turma de mulheres que aguardava do lado de fora agora preenchia a sala. Eu fazia parte deste novo grupo. Minha professora aguardava no canto da sala. Minha amiga e eu éramos suas únicas alunas naquele horário. Fazíamos aulas especiais, ou seja, ministradas em inglês.

Durante os sessenta minutos de aula eu relaxava, meditava (ou pelo menos tentava) e sentia partes do corpo que eu nem sabia que poderiam ser exercitadas. Me acalmava e prometia baixinho que tentaria ser um ser humano melhor...

Ao fim desta uma hora, coloquei meus sapatos e fui para a estação. Me sentia renovada! Mal cheguei na plataforma que meu trem sairia e já fui abordada por uma garotinha. Ela deveria ter no máximo 4 anos. Usava um vestido amarelo rasgado, estava descalça e muito suja. Seus cabelos eram curtos e embaraçados, os olhos estavam remelentos e o nariz escorria. Ela pedia dinheiro. Eu, acostumada aos milhares de pedintes, instantaneamente, disse “não”. Ela insistia me mostrando a mãozinho e eu também insistia no meu posicionamento. Não! Foi quando ela me olhou com os olhos cheios de lágrimas e falou uma das poucas palavras em hindu que eu reconheço: khana. O significado? Comida. Meu coração partiu. Ela me olhava fixamente, me desafiando e despertando compaixão.

Não aguentei. Perguntei para ter certeza “Khana?” e ela consentiu. Sabia que não resolveria todo o problema da fome mundial, mas não consegui ser indiferente. Fomos a um quiosque próximo que vendia comida. Ela me deu a mão e mesmo caminhando juntas havia um abismo de diferenças entre nós. Falei para o vendedor avisá-la que ela poderia escolher qualquer coisa que quisesse. Ele traduziu em hindu para ela e a pequena me olhou espantada. Com ansiedade, analisou todas as opções e me perguntou se poderia pegar dois: uma bolacha de maizena que a irmã mais velha gostava e balas para ela. Saímos do quiosque com os doces. Ela me pediu ajuda para abrir os dois pacotes. Devorou a metade de cada um e guardou o restante para a irmãzinha.

Meu trem chegou, entrei no vagão e acenava para minha mais nova amiguinha. Foi quando notei que mais umas 15 crianças corriam em minha direção. O trem começou a andar e me afastava da estação de Santa Cruz, mas não deu para não deixar de ouvir que as crianças gritavam para mim (e para quem quisesse escutar) “khana, khana, khana”...